quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cubramo-nos de vergonha: falou-se tanto em golpe, golpe, golpe no Paraguai, e quem acabou dando um golpe fomos nós


A reunião do Mercosul em Mendoza, Argentina: a "suspensão" do Paraguai foi 
uma óbvia malandragem para permitir ao governo ditadorial de Hugo Chávez, 
da Venezuela, ingressar no bloco (Foto: Reuters)

O Senado do Paraguai — imaginemos, do Paraguai, antes motivo de piada quando se falava de democracia — vinha resistindo bravamente, há seis anos, às pressões para aprovar o ingresso da Venezuela do tirano bufão Hugo Chávez no Mercosul, bloco integrado pelo próprio Paraguai e por Brasil, Argentina e Uruguai.
O Senado paraguaio, diferentemente da maneira covarde com que se houve o Congresso brasileiro, se apegou à chamada “cláusula democrática” do Mercosul, segundo o qual só podem integrar o organismo países plenamente democráticos, com eleições livres, liberdade de imprensa, liberdade de opinião, liberdade sindical, Justiça livre e independente e respeito às minorias, entre outras exigências.
Essa cláusula, justiça se faça, foi inserida nos tratados de formação do Mercosul pelos então presidente José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina. Com Sarney, naquele momento, a diplomacia brasileira viveu um bom momento.
Agora, estamos vivendo um péssimo e vergonhoso momento: o Brasil participou, alegremente, da manobra que “suspendeu” o Paraguai do Mercosul até as eleições presidenciais já previstas no país para abril do próximo ano. Então, com o Paraguai “suspenso” até abril, seu Senado não pode vetar nada agora em relação ao Mercosul.
Um presentão para a camarilha “bolivariana” que pressionava para que o governo ditatorial de Chávez ingressasse no mercado comum do Sul do continente: o negócio foi fechado hoje mesmo, na mesma reunião de Mendoza, na Argentina, convocada para examinar a situação no Paraguai após o impeachment do presidente Fernando Lugo.
Um golpe na democracia e na credibilidade do Mercosul
Ou seja, a “suspensão” do Paraguai constituiu uma evidente manobra calhorda para driblar o obstáculo às pretensões de Chávez, que o Senado paraguaio impedia.
O governo tresloucado e autoritário de Cristina Kirchner na Argentina foi quem primeiro vociferou que ocorrera um “golpe” no Paraguai com o impeachment de Lugo pelo Congresso. Vários outros governos sul-americanos bateram na mesma tecla — inclusive, apesar de permanecer em cima do muro e por meias palavras, o do Brasil.
Falou-se tanto em golpe, golpe, golpe – e quem assesta um golpe na democracia, agora, são justamente os que acusavam o Paraguai disso. Um golpe na democracia que mina a credibilidade que ainda poderia restar ao Mercosul.
Como publica hoje o site de VEJA, “com alta dose de hipocrisia, os governantes do grupo, que em nenhum momento mencionaram as artimanhas de Chávez para se manter no poder, afirmaram que a suspensão do Paraguai ocorreu devido ao ‘rompimento do processo democrático’ no país – como tem sido definido por países sul-americanos o impeachment sofrido pelo presidente Fernando Lugo, ocorrido estritamente dentro das regras da Constituição paraguaia.”
“[A presidente] Dilma Rousseff, por exemplo, defendeu da seguinte forma a suspensão paraguaia: ‘Nossa posição mostra a sobriedade desta região. Há 140 anos vivemos sem guerras, conflitos étnicos ou perseguições religiosas no Mercosul. Fizemos todos os nossos organismos baseados no compromisso fundamental com a democracia, e o protocolo de Ushuaia evidencia isso’. O protocolo de Ushuaia determina que os países-membros do bloco possuam governos democráticos” (justamente o que impedia o ingresso no Mercosul do truculento regime de Chávez).
Não foi por falta de prever, como publicado em post anterior.
Cubramo-nos de vergonha. Mais um vexame da diplomacia brasileira que, no governo Dilma, vinha se comportando melhor do que durante os oito anos do lulalato.
Não mais.
Ricardo Setti - Veja

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